O que vai e o que fica...
Minha mãe morreu. Mas ao invés de
sentir todo o sofrimento que é normal numa hora dessas, eu estou feliz. Não que
eu possa dizer que seja uma felicidade estampada por um sorriso de alegria. É
uma felicidade diferente, como que sabendo que algo melhor está por vir e minha
mãe sabe disso.
Minha mãe não suportou as dores
da vida. Faleceu há poucos dias. Não suportou as separações e as perdas
naturais. Morreu amargurada. Mas uma amargura diferente. Amargura por não
demonstrar ou dizer mais do que queria. Dizer o quanto estava satisfeita pelo
que tinha e o quanto amava seus próximos. Minha mãe não queria viver. Não
agüentava mais as lamentações da vida. O desejo de ter o que não podia. A
vontade de abraçar o mundo, de colocar debaixo da asa e proteger com a própria
vida. Essa era a minha mãe. Que quis que o mundo todo fosse feliz, nem que isso
lhe custasse à própria felicidade.
Mas, como disse, ao contrário do
que muitos acham, eu estou feliz. Numa felicidade que é só minha e de mais ninguém.
Que não carece de sorriso ou choro. Uma felicidade que me apresenta ao mundo,
tal como o entendo. Uma felicidade que é interna e que me coloca em posição de
usufruir mais do que tenho. E não é material; é de outro plano, que não dá pra
explicar assim, nas palavras.
Eu estou feliz porque minha mãe
fez tudo por mim. Tudo o quanto pôde fazer. Mais do que eu mereci ganhar ou
ter. E ela não suportou mais fazer isso, da forma como fazia antes. Não havia
nada mais a oferecer a mim. Quando precisei, recebi carinho, abraço, beijo,
alegria, dinheiro, estudo, comida... Tudo o que ela pôde me dar. Até um
emprego. Mas ela, cansada de tudo isso, descobriu que nada mais me era
necessário. Descobriu que precisava olhar para a sua vida e começar a investir
em si mesmo. E isso não lhe interessou tanto. Minha mãe queria dar-se, doar-se,
entregar-se a alguém. Queria se perder nisso, sem que houvesse necessidade de
olhar para dentro, porque isso lhe causava dor. Ela queria se perder em alguém
e, com isso, foi-se desencontrando de si. Desencontrou-se tanto que não
conseguiu encontrar-se de novo. Perdeu-se. E quando descobriu que não podia
fazer mais nada por ninguém, seu objetivo acabou. Quando se deu conta, não
suportou mais a dor da vida.
Enfim, eu estou feliz. Estou feliz
porque ela me deu tudo! Garantiu-me cada momento de alegria e absorveu de mim
cada instante de tristeza. Minha mãe foi e é o grande amor da minha vida! A mulher
mais importante que nessa terra viveu e a pessoa mais importante que conheci!
E eu estou feliz... Sabe por quê?
Porque não sou religioso, mas sei
que as coisas começaram a dar certo. Que a cada dia uma nova oportunidade bate
a minha porta e eu preciso me preparar para recebê-la. Que a cada momento algo
novo se realiza. Também porque sei que sigo pelo caminho certo. Que estou no
rumo certo e não tenho duvida. E, mesmo que não seja religioso, eu acredito...
Não acaba por aqui o que a minha mãe fez por mim. É o começo. E as coisas
começaram a dar certo e tem um dedo dela em cada coisa disso tudo!
Sabe quem me ensinou a pensar
assim? Minha mãe.
Marcelo Horta