terça-feira, 7 de outubro de 2014

INFANTO


 

Ao encontrar seu filho Mário Alberto, de 25 anos, no quarto chupando bico, Maria Teresa exigiu explicação!
  - Mas, mãe, faço isso para acabar com meu hábito de fumar. A senhora sabe que eu fumo e quero parar. E sabe também que é difícil pra mim. Então pensei: se eu voltar aos meus hábitos de criança, quando tudo começou, talvez possa consertar as coisas antes mesmo de adquirir o hábito. Entendeu?
Maria Teresa não entendeu nada daquilo, mas já que se tratava do vício, preferiu deixar Mário Alberto fazer o que bem entendesse.

Passados alguns dias, a mãe voltou ao quarto e desta vez o viu com uma mamadeira enorme. Não conseguiu se controlar e avançou pra cima do filho:
  - Mas que porcaria é essa agora, Mário Alberto? - perguntou indignada.
  - Mas, mãe, a senhora sabe que eu estou quase alcoolatra. Então se eu voltar onde tudo comecou, talvez consiga evitar o hábito de beber em demasia. Estou pensando em tapar os buracos, sabe, pra corrigir os erros um a um.
  - Minha Nossa Senhora, mas o que deu nesse menino? - Maria Teresa saiu, mas não sem antes anotar tudinho para contar ao doutor Paulo na próxima consulta.

Depois de se recuperar do choque de ver o filho de 25 anos com chupeta e mamadeira, Maria Teresa tinha até medo de ir ao quarto dele. Já não sabia qual era a próxima moda do filho.
Mesmo assim, resolveu dar mais uma conferida e quando abriu a porta do quarto deparou com o filho de fralda (dessas geriátricas que servem ao idoso). Desta feita, não aguentou e pôs-se a chorar com a mão no rosto e a outra recostada na porta para se apoiar. O filho foi ao seu socorro:
  - Gu, gui, dá, dá, bú... - disse ao ouvido da mãe tentando consolá-la.
  - Mas que inferno é esse, Mário Alberto??? Que m... de gugu, dadá é essa??? Isso é dessas companhias do capeta que você fica andando, desses drogado bandido...
  - Calma, mãe! Você sabe que tenho problemas com garotas. Então pensei que se eu voltasse as origens, onde tudo começou, eu poderia me curar de vez. Tenho que voltar desde a época que usava fralda e tinha dificuldade de ir ao banheiro. Preciso incorporar o bebê do jeito que eu era mesmo. É preciso retroceder às vezes.
  - Minha Nossa Senhora, me leve embora, meu Deus!!! O que eu fiz pra merecer uma coisa dessas? - a mãe parecia desconsolada e o filho tentando explicar.
  - Calma, mãe, é temporário! É só até eu curar meus problemas, depois eu volto ao normal.

Para Maria Teresa não havia mais saída, o filho enlouqueceu de vez. Nem o doutor Paulo seria capaz de dar vez a isso, não tinha solução: "Como é que se pode pensar uma coisa dessas, meu Deus? Isso é coisa da televisão... Tá tudo aí, na nossa cara...". Era hora de procurar ajuda mais séria: " um psicólogo, psiquiatra, minha Nossa Senhora Padroeira... Vou ligar pro centro, mandar vir aqui. Isso é coisa de espírito que impregna o corpo da gente...".

Depois de se recobrar pela terceira vez, Maria Teresa resolveu voltar mais uma vez ao quarto de Mário Alberto. Mas nesta última não encontrou ninguém. "Ou aquilo tinha acabado de vez ou o "belzebú" deu trégua".
O quarto estava arrumado e não havia sinais de coisas de bebê em nenhum lugar. Sem bico, mamadeira ou móbile pendurado no teto. "Deus voltou a abençoar nossa casa! Glória a Deus...".
Mas como num rápido intervalo, Maria Teresa ouviu um súbito soluço seguido de choro (de grave altíssimo) vindo de seu quarto. "Não é possível..." - pensou com uma das mãos na boca (queria mordê-la...).
E quando abriu a porta, deparou-se com uma cena que fez com que suas pernas não se mantivessem mais firmes e de repente caiu. Mário Alberto estava somente de fraldas, deitado em sua cama, com uma mamadeira caída de um lado e um bico enorme de outro. Na televisão, a galinha azul das musiquinhas cantarolava a música do 'pintinho amarelinho...' em som baixo. Mário Alberto esperneava como um bebê de colo que esperava atenciosamente a presença da mãe.
E enquanto se recuperava do choque, ainda no chão, Maria Teresa pensou mil coisas pra tentar resolver o problema do filho: curandeiro, psicólogo, psiquiatra, umbandista e até choque elétrico. Mas ao final das contas só teve força para concretizar uma delas: erguer o braço direito e consolar profundamente o filho infanto aos berros!

MLHSM

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O GENRO IDEAL


Eduardo amava Carol que amava Eduardo na mesma proporção. Mas para consolidar a relação dos dois seria necessário que Eduardo descesse de seu posto conveniente e conhecesse a família de Carol. O relacionamento deles não daria certo sem esse gesto bondoso de Eduardo uma vez que Carol era muito ligada à própria família, principalmente ao pai.
O pai de Carol era um senhor conservador e que gostava das coisas muito certas e em seu devido lugar. Não era adepto a excentricidades ou eloquência barata. Pelo contrário, era sistemático e obsessivo com as escolhas da filha.
Pelo lado de Eduardo, isso não era lá um problema já que era um rapaz simples, de bons princípios e boas idéias. Queria crescer e constituir família e nunca fôra de farras ou festas. O sonho de qualquer sogro. Mesmo assim Eduardo sabia que impressionar o velho não seria nada fácil e ele precisaria de um plano.
Os dias se passaram e o medo de Eduardo foi aumentando. Não tinha a menor idéia do que fazer e nem como impressionar o velho. Pra piorar, Carol passou a semana inteira falando da família, sem sequer dar uma pista pra ajudar. Eduardo não era ingênuo, nem nada, mas não sabia o que dizer pra eles que vieram do interior só para conhecê-lo. Qualquer coisa mal interpretada poderia colocar tudo a perder.
Certo dia, pouco antes deles chegarem, Eduardo teve uma idéia brilhante e se lembrou da torneira da casa de Carol que tinha um vazamento de água. Imaginou que se ele se colocasse a disposição pra resolver um problema de casa (ou chamar alguém pra fazer), todos teriam uma boa impressão. E aí depois ele poderia aproveitar o momento para falar de outras qualidades suas.
E o tempo passou rápido até que chegasse o dia marcado. Eduardo correu na casa do encanador e combinou o plano e o horário aproximado. Pediu a ele que desmarcasse todos os clientes e ficasse por sua conta. Receberia uma boa gratificação por isso.
Quando chegou na casa de Carol, Eduardo fez questão de cumprimentar sua mãe dando-lhe um beijo na mão como um distinto cavalheiro. Estava apresentável, bem vestido e com um perfume divino. Cumprimentou também os outros parentes e por fim o pai de sua digníssima. Eduardo estava nervoso e suava frio, como alguém prestes a tomar uma decisão que mudaria os rumos de sua vida.
E quando todos se sentaram à mesa, Eduardo ficou calado e pôs-se a saborear o vinho que trouxera, com um olho no copo e o outro na torneira. Era o momento de esperar até que alguém notasse o pinga-pinga da água na pia e ele pudesse se apresentar como um verdadeiro herói combatente do crime.
De repente, a mãe de Carol se levantou pra pegar um copo e deparou com o vazamento. Antes mesmo que ela pudesse dizer qualquer coisa, Eduardo deu um salto da cadeira e com um braço erguido disse que resolveria rapidamente aquele problema buscando um encanador que nunca lhe negaria um favor.
O pai de Carol vendo aquela cena toda também se levantou e disse que acompanharia Eduardo. Seria um ótimo motivo para que pudessem se conhecer mais e conversar algumas coisas de homens. Mas Eduardo não havia programado nada daquilo e a sua ansiedade aumentou tanto que achou que iria infartar naquele momento. *Logo o pai dela...*.
E os dois desceram as escadas do prédio sem trocar uma palavra; com Eduardo na frente, sem nem olhar pra trás. Ele descia rapidamente a escada, como alguém procurando socorro ou fugindo de um incêndio.
Quando chegaram no carro, Eduardo quis ser gentil e abriu a porta para o "futuro sogro". Em seguida entrou pelo lado do motorista e aguardou o tempo necessário para uma pessoa pudesse entrar num carro. Sem nem olhar para o lado (de tão nervoso), Eduardo acelerou e ouviu um barulho assustador do lado direito. O pai de Carol estava caído com uma perna dentro do carro e o rosto estatelado no chão. Sem saber o que fazer, Eduardo colocou as duas mãos na cabeça e viu o "sogro" se levantar aos gritos e correr em direção a casa da filha mancando. Eduardo permaneceu no carro sem acreditar no que acabava de ver. Carol não havia contado a ele que o pai era deficiente e que possuía uma perna mecânica.
Quando, enfim, conseguiu se recompor, Eduardo entrou na casa e viu o velho, com o rosto cheio de manchas de asfalto e sujo (parecia um mendigo). Estava com um braço erguido e o outro segurando a perna manca a gritar na porta de entrada: *É COM ESSE TRASTE QUE VOCÊ QUER CASAR? COM ESSA M... DE SER HUMANO? ISSO NÃO VALE B... NENHUMA, EU DIGO. NÃO VALE NADA! É UM VERDADEIRO FILHO DA P...! ESTÁ ESCUTANDO? NÃO APROVO PORCARIA DE CASAMENTO NENHUM E TENHO DITO... *.
E o discurso se prolongou por, aproximadamente, mais uma hora (era assim que Eduardo via o tempo passar). Estava de pé, atrás do velho e com as mãos no rosto com vontade de chorar.
***
Passaram-se anos até que o fato caísse no esquecimento (ou ficasse nos planos das coisas que não podem ser ditas em encontros de família).
Eduardo e Carol consolidaram o namoro e marcaram o casamento.
E no dia em que resolveram se juntar definitivamente para se unir pela graça de Deus, em um casamento que deixaria qualquer um encantado pelo requinte, o pai de Carol resolveu fazer uma coisa para facilitar a vida de todos e tornar a relação mais propícia ao sucesso: ele foi a festa, mas dirigindo o próprio carro!
E os "três" viveram felizes para sempre!

MLHSM

terça-feira, 30 de setembro de 2014

DEBATE PRESIDENCIAL


  - Candidato Aécio, por favor, sua pergunta para o candidato Eduardo Jorge.
  - Aécio: Candidato, o que o senhor acha do programa Bolsa-Família?
  - Eduardo Jorge: Bom...
  - Candidata Marina, sua pergunta para Eduardo Jorge.
  - Marina: Candidato, o senhor está envolvido em algum esquema de corrupção:
  - Eduardo Jorge: Eu não...
  - Candidata Dilma, sua pergunta para E. J.
  - Dilma: Candidato Eduardo Jorge, como o senhor vê a questão da educação no Brasil?
  - Eduardo Jorge: Tenho nada a ver...
  - Candidato Fidelix, a sua pergunta, por favor!
  - Levy Fidelix: Candidato Eduardo, como o senhor pretende combater o caos na saúde pública no Brasil? É pelo programa Mais Médicos?
  - Eduardo Jorge: Com isso...
  - Aécio: Então, em virtude do que é melhor para o país, eu reitero, a partir de agora, que o meu voto vai para o senhor, candidato Eduardo Jorge!
  - Marina: Não tenho dúvidas! Eduardo Jorge pra Presidente!
  - Dilma: Aproveito para dizer que o meu também!
  - Fidelix: Concordo! Tem o meu apoio!
  - Eduardo Jorge: Bom, eu não tenho nada a ver com isso!

MLHSM

domingo, 31 de agosto de 2014

GORDO JOÃO



Mauricio anda tranquilamente pela rua quando avista João, antigo amigo de escola:
- Nossa! Você está diferente, João! Como emagreceu...
- Obrigado!
E conversam sobre outras coisas, é claro! Mas aquilo não sai mais da cabeça de Mauricio: "Mas que diabos ele quis dizer com obrigado?".
***
João é advogado e também professor. Trabalha concursado como promotor de justiça e ainda arruma tempo para se dedicar as aulas de violão, seu hobby preferido.
João é também sistemático e organizado. Aliás, sempre foi. Principalmente com seus livros. Outra grande paixão. É leitor assíduo. Como bom entendedor de filosofia, política, cinema, historia, arte e outros, pode conversar por horas sem parar. E João gosta de divagar sobre seus pontos de vista e até de entrar em contradição consigo mesmo.
Às vezes se irrita com a ignorância dos outros e com a impossibilidade de acompanhar seu raciocínio. Isso acontece principalmente com as mulheres. João tem sérios problemas com as mulheres. Uma vez terminou um namoro por burrice demais delas.
O curioso é que João sempre foi gordo e nunca fez sucesso com mulheres. Era motivo de chacota e na época da escola já foi esculachado publicamente no pátio por uma colega de turma. Sua devoção por livros só piorava as coisas, já que elas o viam como nerd, intelectual e chato. Mas o principal fator por sua impopularidade era o fato de ser gordo demais.
Em todo caso, Mauricio sempre foi um bom amigo. Escudeiro e fiel. E nunca se importou com nada disso. Os dois andavam juntos e estudaram na mesma classe por vários períodos. Amigos por muitos e muitos anos. "Eram bons tempos" - pensou.
***
Mas naquele dia fatídico, logo depois do encontro com João e do incomensurável "obrigado", Mauricio para um instante, olha pra cima e com uma mão sobre o queixo  pensa em voz alta:
"Eu gostava mais do João quando era gordo" - e continua a caminhar com um leve sorrisinho no canto da boca.

Marcelo Horta Mariano

sábado, 19 de julho de 2014

CONTAR UMA HISTÓRIA...





Todos ainda riam da história de José quando Pedro interrompeu:
- Muito boa, José! Eu também tenho uma história engraçada pra contar!
- Mas você não pode anunciar que a história é engraçada, meu caro! - disse João.
- E porque não?
- Porque nos obriga a rir mesmo se for ruim! E se não rir, você fica ofendido. Acha que fizemos de sacanagem.
- Mas essa história é engraçada mesmo!
- Então somos obrigados a rir? E se não for? E, além do mais, você não pode dizer que é engraçada. Quem decide isso somos nós. Quando você fala que é engraçada, já lança em nós uma ponta de alegria que pode diminuir caso não seja engraçada, entendeu?
- Não, mas ela é boa...
- Quem decide somos nós! E se não for, não é pra fazer de vítima de novo, não, hein? Como sempre faz.
- Nisso, o João tem razão! Você sempre faz isso. Faz de vítima quando alguma coisa que você quer que dê certo, não dá. E a gente tem que ficar te consolando - disse Eduardo - Mas se quiser, conta!
- Tá bom, pessoal! Não vou fazer mais isso. Vou contar. A história começa mais ou mesmo assim...
- Tá vendo?! Tá fazendo de novo! - indagou João.
- Fazendo o que?
- Tá criando expectativa, como antes, quando disse que a história é engraçada! Você não pode dizer que é engraçada e não pode anunciar que vai contar. Uma coisa soa igual a outra. Você tem que contar e pronto! Simplesmente contar.
- Tá certo!

Tomas chega no bar.

- FALAAA, Tom, meu caro! Demorou, mas chegou numa boa hora - disse João se levantando - Saudade de ti, cara!
- Pois é! Engarrafamento sinistro. Cheio de polícia e blitz... Mas tá bom! O que tá pegando aqui?
- O Pedro vai contar uma história en-gra-ça-da, diz ele - contrapõe Eduardo.
- Mais uma, Pedro! Mas depois não vai se fazer de vitima, né? Igual da outra vez! Digo, se a piada não for boa - afirma Tom.
- Tá vendo! Não disse...
- Que é isso, gente?! Até parece complô contra mim!
- Começou...
- Tá bom! Deixa pra lá! Foi mal! Vou contar a história. Aconteceu comigo ontem. Tava eu, a Paty, Afonsinho...
- DÁ UMA LICENÇINHA AQUI, POR FAVOR: alguém pediu torresmo pra tira-gosto??? - anuncia o garçom com a bandeja na mão.
- Pedimos sim, Manolo! É daqui mesmo. Pode deixar aí.
- Tá com uma cara boa, hein?
- Dessa vez o Osvaldo caprichou.
- Caprichou mesmo! - disse Tom - Mas conta aí, João, do que vocês estavam rindo quando cheguei? Vi lá do carro!
- É uma história que o José estava contando. Muito engraçada! Rsss... Conta de novo, José, pro Tom escutar também.
- EI, EI, QUE É ISSO, GENTE?  - diz Pedro enfurecido - Até parece que não querem que eu conte a minha história. Querem que eu vá embora, pô?
- Ih, começou de novo!
- Vai fazer de vítima de novo!
- Qualquer dia desses, vai chorar aqui na mesa mesmo.
- Quer saber, vou embora. Deixa pra outro dia. É que realmente não estou bem esses dias.
- Mais uma vez... Vítima - assentiu Tom - Vai contar a história ou vai se fazer de vítima de novo? Você veio falar dos seus problemas ou o que?
- Nossa, parece que não posso falar nada!
- De novo!
- Olha, tchau! Outro dia eu conto. Ou não também. Tanto faz!
- Meu Deus, até pra ir embora!

E foi.

- Ei, João, o que será que o Pedro ia contar? Será que era engraçada mesmo? Agora fiquei curioso - disse Eduardo.
- É, também fiquei! Ele deixou a gente na mão. Talvez fosse uma história em que ele foi vítima, mas levou ferro! Essa sim seria uma história engraçada!

Todos ainda riam do comentário de João.

Marcelo Horta Mariano

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O MÉDICO E O MONSTRO



Encontrei uma amiga na rua que falou da sua mágoa com o filho pequeno e com o pediatra:

- “Eu precisava levar o Gabriel no médico! Precisava mesmo, sabe? E como o doutor Geraldo está com a gente deste que ele nasceu, levei lá pra fazer uns exames! Mas o Gabriel está com essa mania de cuspir, né? Cospe em todo mundo, em mim, nos coleguinhas, em todo mundo! Já teve até reclamação da escola!”.
- Mania de cuspir? – perguntei.
- “É, mania! Ele cospe até no pai dele! Já coloquei de castigo, sem brinquedo, sem passeio, sem nada! Mas não adianta! Ele cospe e depois ri, como se estivesse zombando! Mas aí levei no doutor Geraldo! Quando o médico começou a examinar ele, o Gabriel cuspiu na cara do médico, virou pra mim e ficou rindo! Eu falei pra ele: ‘Gabriel, meu filho, você não pode fazer isso, é feio demais, ninguém gosta disso, o que vão pensar de você’! Mas o médico ficou revoltado, sabe? Disse que eu precisava corrigi-lo, que aquilo era um absurdo, que no futuro sofreríamos as consequências e tudo mais! Fiquei morrendo de vergonha! Mas disse a ele: ‘Olha, doutor, já tentei de tudo, mas ele não para! Coloquei de castigo, bati, cortei passeios, tirei brinquedos, mas nada funciona’! O doutor Geraldo olhou pra mim com uma cara feia e disse que se continuasse dessa forma, um dia as coisas fugiriam do controle! Fiquei com mais vergonha ainda!”.
- E o que aconteceu?!
- “Bom, o exame continuou e, pouco depois, o Gabriel cuspiu mais uma vez na cara do médico! O médico olhou pra mim de novo e disse que era para o meu bem e lascou um cuspe na cara do Gabriel!”.
- Meu Deus?!
- “Sério!!! Pra você ver! Ninguém nunca tinha feito isso com ele! Nem os amiguinhos da escola! Confesso pra você que quase chorei! Fiquei imóvel, assustada, olhando a cara do médico, enquanto o Gabriel soluçava de susto! Queria voar no médico, mas não tive coragem! Enfim...! Cheguei em casa e contei pra minha irmã que ficou indignada! Falou que não toleraria aquilo e que iria denunciar o médico! Chamamos a polícia e tudo mais! Fizemos ocorrência e entramos na justiça contra ele!”.
- Nossa, que situação?!
- “O Gabriel ficou traumatizado naquele dia! Ficou muito assustado! Mas se a minha irmã não atina, teríamos deixado pra lá! Tínhamos realmente que fazer alguma coisa! Um médico não tem essa autoridade para cuspir na cara de uma criança! O Gabriel está em fase de desenvolvimento e não vai ser assim que ele vai aprender! O doutor Geraldo havia me dito que uma psicóloga, conhecida dele, tinha falado sobre isso, que precisamos fazer o que as crianças fazem, isto é, pra entrar no mundo delas, pra que elas entendam! Tudo bem, né, mas não dessa maneira! Imagina se eu cuspir em toda criança que cuspir em mim? Não dá! Foi uma situação chocante, traumatizante, pra mim e pro Gabriel!".
- Mas, afinal de contas, o Gabriel continua cuspindo?
- "Cuspir, cospe, mas em médico nunca mais!".

Marcelo Horta Mariano